Ícaro Quer Voar!

Ícaro abriu a boca pela terceira vez e gritou contra a almofada. As lágrimas encontrando o material macio. Ele sufocava em meio a sua voz abafada e as lagrimas que o afogavam. O cobertor enrolado acima dele, como um grande escudo. Ele gritou mais uma vez quando as vozes de batidas de portas, seus pais brigando um com outro, fizeram-se mais alto.

Ele conhecia aquela melodia já fazia alguns tempos. Sua mãe iria jogar coisas pela casa. Quebrar frascos, vasos, jogar coisas na parede. Não. Não havia mais decoração. Seu pai havia garantido isso. Então como não tinha mais o que jogar, ela o arranhava, batia no homem que ela amava. Ela amava?

 Ele ergueu o rosto do travesseiro. O silêncio momentâneo. Estava chegando do final do ato. Que era quando o pai ou sua mãe simplesmente saia da casa, frustrado, enfurecido. Ícaro pulou fora da cama e enrolou seu cobertor contra seu corpo, embolando o tecido, agarrou-o como se fosse sua ancora. Ícaro deitou como um feto agarrando o cobertor e voltou a apoiar o rosto contra seu travesseiro. Se ele gritasse agora, se explodisse sua dor contra aquele amontoado de penas, não chamaria a atenção para si.

 O grito subiu as escadas e parecia que uma banshee gritava diretamente em seu ouvido. Mas aquilo era apenas sua mãe enraivecida. Talvez por que seu pai não revidasse, talvez pelo silêncio dele, ou apenas, sua falta de reação para suas ameaças.

 O peito de Ícaro comprimia-se toda vez que eles brigavam, mas depois da última porta bater – a da sala – com sua mãe partindo para a noite, longe de casa e da família. Seu pai subia as escadas de dois em dois. Ele gostava quando era a mãe que saia, porque sempre quando seu pai chegava ao seu quarto, ele não fingia. Luca abriu a porta do filho e foi até sua cama.

 Ícaro deu espaço para o pai deitar na cama. Eles deitaram de bruços e ficavam sem se falar. Até que Ícaro virava-se para olhá-lo. Luca chorava em silêncio, as lágrimas fugindo pelo seu rosto, misturando-se com as que ele outrora já havia deixado. E deixando o corpo relaxar, ele finalmente falava algo.

 – Me perdoe.

 Luca levantava, beijava a testa do filho, deixando que alguma lágrima insistente caísse contra o rosto de Ícaro. Secava-a com a palma da mão e voltava para o próprio quarto, para esperar sua mulher voltar.

BF

05-2015

6 Respostas para “Ícaro Quer Voar!

  1. Adoro os bastidores por trás dos livros. As histórias a parte, conhecer o que não foi contado ainda… Você expressa o verdadeiro eu do personagem, o que nem sempre pode ser visto ou captado em textos.

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      • Agradeço o interesse pelo trecho.
        Este trecho em específico não seria um que entraria no livro que estou escrevendo. Mas essa cena é algo que acontece com um dos personagens.
        O público do livro em si seria 18+. É um romance que fala sobre duas pessoas totalmente distintas que vão cuidar de Ícaro, e no decorrer do tempo os próprios adultos tem que passar por situações que os fazem amadurecer.
        Sobre este trecho, acredito que um público um pouco mais jovem poderia ler sim, no caso 16+, o qual já tem maturidade para compreender o que se passa e tirar suas próprias conclusões. Infelizmente, o trecho que escrevi é algo que acontece em muitas famílias no mundo. Mas nem sempre a sequência, como o que acontece com o pai subir para verificar a criança, acontece.
        Espero que tenha esclarecido sua dúvida.
        Obrigada.
        Bianca Fiats

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