Como me matei? Como ele se matou?

A você que está lendo esta carta. Saiba: Eu morri! Morri… morri…

Quando acordei hoje tive uma ideia absurda. Uma ideia cheia de graça. Se hoje eu morresse quem viria ao enterro? O que falariam no meu tumulo?

Contariam piadas? Veriam o gato que dorme na lapide e espera que os chorosos venham lhes dar comida?

Eu queria saber. Viver e esquecer que vivi. Por isso pensei e obriguei ao meu coração: pare de bater.

Disse ao meu sangue: pare de circular.

Disse ao meu cérebro: pare de pensar.

Agora, caro leitor, faça um minuto de silêncio pela morte do meu sistema. Mas não pare de ler. Tenha respeito. Eu morri!

Vê o sangue nesta carta? Sangue seco – eu espero que não morno – que mancha a carta.

Eu realmente gostaria de saber, o que diriam no meu enterro.

Então decidi: irei morrer hoje e ouvir. Mas como? Obriguei ao meu corpo: ouvidos não parem de funcionar.

Pensei em me cortar, atear fogo, tomar pílulas a mais, beber até cair, me drogar, colocar uma corda no teto e me jogar. Até pensei em entrar me uma banheira e colocar uma torradeira ligada dentro.

Triste ilusão. Sou pobre e não tenho nem banheira, nem torradeira. Então como todo bom pobre, morri: Fechei os olhos e obriguei meu corpo a parar.

Por isso…

ADEUS!

O AVESSO

O barulho da sirene era alto. Cheio de sons que incomodam. Ligaram para a delegacia dizendo: “Alguém morreu. Foi suicídio!!

Se alguém morre, deixe o pobre coitado morrer em paz!

Procurei a carta que dizia que era suicídio. Suicidas deixam cartas. Tem a necessidade de dizer: Ei me matei por que meu gato não me ama mais… Enfim, deixam pistas.

Cheguei na casa e não deixei ninguém entrar. Andei pela casa e procurei por um corpo. Não encontrei nenhum. Paredes vazias, tintas deixadas de lado, uma mesa e uma cadeira.

Quem foi o pobre coitado que morreu e não deixou o corpo, ou carta… ou sangue?

O banheiro vazio, a sala vazia, a casa inteira vazia.

Nada, além da cadeira e da mesa. Irritado, chutei a cadeira. Ela quebrou, frágil. E a farpa dela cortou minha canela. Peguei minha caderneta, arranquei uma folha e limpei a ferida.

Olhei para o sangue no papel. Agora havia mais um corpo vivo.

Escrevi uma carta de despedida. Pintei a tão sonhada banheira no azulejo do banheiro e a tão adorada torradeira na parede da cozinha.

Deitei no chão e fechei os olhos.

Agora era uma cena do crime decente: dois corpos e uma carta do meu adeus.

E morri junto com minha cadeira quebrada, ao redor, em pedaços, em frangalhos que somente eu saberia o que lhe aconteceu.

Hoje morreu um fantasma, um policial, uma cadeira e um papel.

BF

2014

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