Tic-toc! Trava o relógio na parede. Um, dois, três, quatro… Os olhos buscam respostas. Contam aflitos o movimento do relógio. O som dos carros à distância são a orquestra da vida. A televisão do vizinho zune alta como se estivesse do seu lado.
Ela está ali, sentada. Vestido vermelho, cabelos caídos. Olhar preso no relógio da parede. Ela vê o movimento sem nem ao menos enxergar. Um aperto no peito, agonizante, doloroso. Falta o ar. Ela passa a mão pelos cabelos, aflitos.
Desliza pelo vestido, arranca! Rasga!
Ela coloca a língua entre os dentes, morde. Empurra para fora e toca o ar. Sem gosto. Ri sem humor. Muito na cabeça, pouco no coração.
Mesmo assim não pensa. Sangra!
Ela encosta a testa no azulejo frio. Estava escuro, mas então ela olha de novo e vê. Paredes brancas. Não, amarelas. Ou eram verdes?
O som muda. Não há mais buzinas, nem a roda deslizando no asfalto molhado. É música, é clássica. As roupas estão erradas.
Era um vestido, não vermelho, não preto. Era veludo, era verde. Com pedras brilhantes e no cabelo, uma rosa no coque.
A música muda e ela caminha. Estende as mãos aos céus. Não há mais paredes. Há areia pinicando os pés. O sorriso desenha nos lábios a promessa de felicidade.
Ajoelho e chora. Contente. Ouve a missa, ao fim, fiz amém. Mãos aos céus, coração a mil.
A chuva limpa a maquiagem do rosto e faz o vestido ficar pesado. É difícil levantar. Missão complexa. Não importa. Há paz. Há felicidade.
O mundo treme no céu e atinge o chão. As palmas e o alvoroço é gigante, tanto quanto o céu que desaba.
Ela caminha com certeza onde quer chegar. Ou onde foi ordenada que fosse. Cabelos brancos a saúda na chegada. Ela sorri, ele também. As rugas não diminuem a beleza do azul céu em seus olhos. Apenas o realçam.
No mundo que ficou para trás, ela ouve outro amém. Então ri e se desfaz em sua própria risada.
Quando para, não sente mais a areia e não há mais cabelos brancos.
Sua mão alcança o peito e o céu agora cai de seus olhos. Ela chora, incerta e também com toda a certeza do mundo. Não há missa, não há areia. Também não há mais agonia, nem dor.
Encosta a cabeça no espaldar do sofá e volta a ouvir: o carro passando na rua, a televisão do vizinho. Conversas na rua e o relógio gritando silenciosamente: tic-tac…tic-tac…tic-tac!!!
Ele para e procuro nele o segundo em que voltou seus olhos para o passo. A lembrança é firme, é cheia de carinho. É delicioso e sem sentido. E ela quer experimentá-la de novo. Lembrar de tudo àquilo que não viveu. Lembrar de um tempo em que lhe era permitido chorar e festejar. Em que não havia condenação, nem preocupação.
O vestido ainda está no chão. Inteiro e também decomposto.
O peito quente, o corpo frio. Os lábios tremem… Um murmurar: mais.
Então tudo começa: Tic-toc! Trava o relógio na parede…
BF
2014