Ruminando o Chefe

O tempo corria solto e apenas o som das teclas se faziam presentes. O grupo de digitadoras, foi designado para ficar com o departamento de informática. A conversa entre os grupos não era comum. Cada qual compenetrado no seu próprio serviço. Apenas Vanusa olhava para o relógio do computador ansiando para que o horário que fechariam a empresa para atendimento de clientes.

O cursor piscava solitário, esquecido. Faltava cinco minutos. Cinco minutos para fechar a porta principal para clientes. Joyce, a técnica de informática batia os dedos contra a mesa de manutenção impaciente. O som combinante com o ritmo que o cursor piscava. Vanusa olhou para os dedos de Joyce. Olhou para todo o quadro que a técnica criava para si. Encostada na bancada, fones de ouvido com o som da música tão alto que todos ouviam os ruídos, ela batia com seus dedos como se tocasse um piano acompanhando o ritmo. Joyce sorria para si mesma enquanto ignorava completamente o mundo ao seu redor. Ela era a Rainha de seu mundinho. E estava preparando o seu ultimo compasso. Como se todos estivessem programados e interligados à um relógio, ao mudar de números para 17, a sala mudou imediatamente. Algumas digitadoras se espreguiçaram, algumas bateram com o rosto contra o teclado. Outra, levantou e começou a esticar as pernas, andando na sala minuscula. E Joyce? Tirou o fone de ouvido, ergueu o pingente de caveira e o mordeu. Quando olhou para Vanusa ela soltou a corrente e sorriu. O sorriso tomou todo o rosto, como se soubesse do segredinho dela. Como se soubesse que ela não tinha trabalhado tanto quanto todos os outros. Que enrolou a maior parte do tempo.

Vanusa abaixou o rosto envergonhada. Joyce esfregou as mãos, espreguiçou e com o fone abaixado em seu pescoço. Saiu aos saltos da sala. Diogo, o outro técnico da sala a acompanhou para longe das digitadoras.
Ficaram algum tempo longe da sala, mas ao voltar traziam dinheiro na mão. Diogo contava o que tinha às mãos e Joyce anotava em um pedaço de papel alguma coisa.

– Vavah você vem comigo na padaria?

Sem pensar duas vezes, apenas para sair daquelas quatro paredes, Vanusa saltou na direção dos técnicos. Em pouco tempo estavam caminhando para a padaria ao final da rua. Ela era naturalmente calada, e Diogo era o conversador, contando algo que ouviu ou sobre algum acontecimento da empresa. Joyce apenas sorria e afirmava algo, mas sempre olhava para Vanusa apenas para saber se ela estava acompanhando a história. Chegaram na padaria e pediram pães, apenas um para cada um, mortadela e queijo, também um para cada um. Nem mais nem menos. Suco de pó e voltaram para o serviço. Antes de voltar a empresa, Joyce parou Vanusa e desligou a música do MP3, tirou o fone e cada movimento era um passo para anunciar algo muito importante. O coração de Vanusa acelerou. O que seria?

– O chefe vai comer com a gente.

– … – Vanusa piscou – Quem?

– O Andrade.

Vanusa ficou esperando por algo mais. O que havia de tão ruim com o Sr. Andrade comendo com eles? Geralmente apenas o nível operacional fazia o famoso café da tarde. Aquela pausa rápida para comer um pouco, antes de continuar cumprindo hora. O rosto de Vanusa deve ter demonstrado sua curiosidade. Pois a linha firme, sem sorriso de Joyce se apertou mais.

– Você não se incomoda?

A digitadora deu de ombros. Ela quase nunca falava com ninguém mesmo. Com exceção de Joyce. Ela era a única com quem tinha qualquer tipo de interação. Joyce se aproximou mais de Vanusa, olhou para os lados, e quando percebeu que estavam sozinhas sussurrou ao seu ouvido.

– Ele rumina.

– Ele o que?

– Rumina. Como uma vaca. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca.

Os lábios de Vanusa tremeram. Ela segurou a risada.

– Então ele bebe algo com goladas.…  É tão irritante. As vacas sabem ruminar de forma mais educada que ele. É até bonitinho de ver.

Risos fracos e inocentes. Vanusa não aguentou e o riso mudou para algo mais do que inocente. Joyce lançou um olhar de “você vai ver”, e foram para a cantina preparar seu próprio lanche. Os funcionários começaram a chegar, a sentar nas mesas. Vanusa, Diogo e Joyce sentaram em uma mesa afastada, pegaram seu lanche e quando estavam se preparando para comer, alguém se sentou na mesa. Vanusa e Joyce se entreolharam. Foi como se ele tivesse sido invocado e atendeu ao chamado: Sr. Andrade. Ele cumprimentou a todos, ofereceu algumas poucas palavras e começou a comer.

O Sr. Andrade se sentou ali porque poderia comer rápido e voltar para seu trabalho. Ali estavam os menos falantes da empresa.

Morde, grunhe e masca. Gof gof gof. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca Gof gof gof

Vanusa parou com o pão a centímetros de sua boca aberta. Ela tentou manter a postura, mas a voz de Joyce voltava a sua mente. Ela olhava para o homem comendo de boca aberta. Os pedaços do pão dissolvidos e a vista de todos. Joyce estava de olhos fechados, apertados. Ela já tinha reparado e evitava olhar.

Morde, grunhe e masca. Gof gof gof. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca Gof gof gof

A imagem de uma vaca surgiu em sua mente. E cada barulho, a cada grunhido, a cada mordida, ela via aquela vaca no lugar do Sr. Andrade. Joyce a cutucou por debaixo da mesa para que Vanusa continuasse comendo. Olhava para Joyce e mantinha um mantra na cabeça: comer em silêncio!

Morde, grunhe e masca. Gof gof gof. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca. Morde, grunhe e masca Gof gof gof

Sr. Andrade terminou seu lanche com um ultimo gole de suco, se despediu, levantou e partiu. Tão logo saiu da mesa, as duas se entreolharam. Começaram a rir, ficaram assim por mais um tempo. Diogo estava frustrado. O que tinha acontecido. Joyce ia finalmente falar algo, quando Vanusa a atravessou.

– Vaaaacaaa! Muuuuuuuu!

BF

05-2015

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